Estamos vivendo um momento diferente em razão da pandemia de COVID-19, contudo nunca foi tão notório o quão importante é conhecermos a legislação em Saúde e Segurança do Trabalho (SST) e estarmos atualizados.
Diariamente vemos publicações de Medidas Provisórias, leis, portarias, notas técnicas, além de outros tipos de normas jurídicas regulamentando e indicando como as empresas devem atuar diante da situação atual. Quem não acompanha diariamente o que é publicado sobre o tema pode não estar cumprindo a legislação, tamanha a velocidade com que publicações sobre o tema são apresentadas.
São diversos entes federados legislando sobre o mesmo tema, muitas vezes de forma conflituosa, o que determina grande celeuma na atuação das empresas. A quem seguir?
A pandemia virou um verdadeiro pandemônio!
Resolvendo conflitos
Neste momento os profissionais da área de SST devem manter a calma e procurar entender como funciona nosso sistema jurídico, principalmente quando existe conflito entre duas normas.
Mas, antes de qualquer interpretação, temos aqui duas relações diferentes que precisam ser conhecidas e entendidas: a relação trabalhador e empresa e a relação empresa e administração pública.
Quanto a relação entre o trabalhador e a empresa necessário entender que o direito do trabalho, que abarca as normas sobre o meio ambiente de trabalho, possui como princípio jurídico a aplicação da norma mais favorável ao trabalhador. O que isso significa?
No nosso ordenamento jurídico existe uma relação hierárquica entre as diferentes normas, sendo desta forma que se estabelece o controle de constitucionalidade e se resolve eventual conflito entre normas de níveis hierárquicos diferentes.
É o que Hans Kelsen, jurista austríaco, nos deixou de ensinamento e até hoje é utilizado, a interpretação de que existem normas superiores e inferiores, permitindo que o ordenamento jurídico tenha uma certa unidade.
Este conceito permite que seja declarada a inconstitucionalidade de determinada norma jurídica infraconstitucional, justamente pela Carta Magna ser a norma maior em nosso ordenamento jurídico.
Contudo, quando estamos tratando da relação entre empresa e trabalhador, temos uma exceção nesta forma de interpretação.
Independente da hierarquia que exista entre as normas, em caso de conflito de normas trabalhistas, a interpretação deve ser realizada de forma a garantir a maior proteção para o trabalhador. Esta é a regra geral que deve nortear nossa interpretação sobre o tema.
Não entraremos aqui na discussão sobre as inovações trazida pela Reforma Trabalhista e as exceções apresentadas em questões especificas sobre a aplicação deste princípio, pois não se aplicam ao que estamos discutindo.
Proteção ao trabalhador
O que propomos é uma reflexão sobre o tema. Quando houver conflito entre normas dos diferentes entes federativos devemos ponderar: qual é mais favorável a proteção da integridade física e saúde dos trabalhadores no combate ao COVID-19?
Nem sempre essa reflexão é simples, porém é um norte a ser seguido.
Vamos a um exemplo básico: uma norma estadual permite o trabalho sem qualquer uso de máscara de proteção para combate ao COVID-19 e uma norma municipal determina o uso de máscaras. Qual iremos seguir? Acho que a resposta não é difícil.
Segundo a hierarquia das leis, a norma estadual deveria prevalecer sobre a norma municipal. Mas será que devemos atuar desta forma? Qual é a mais favorável a proteção do trabalhador?
As empresas devem ter cuidado neste momento, uma vez que a negligência com a proteção dos trabalhadores em relação ao combate ao COVID-19 pode implicar em responsabilização do empregador.
Temos entendimentos conflitantes sobre o tema, com determinadas interpretações, equivocadas, de que qualquer caso de COVID-19 em trabalhador deve ser atribuído ao exercício do trabalho.
Sabemos que, tecnicamente, com o conhecimento científico acumulado sobre a doença e sua forma de transmissão, não é possível atribuir ao trabalho todos os casos de COVID-19.
Com este horizonte de judicialização destas questões, devemos ser precavidos e demonstrarmos a preocupação da empresa com a preservação da integridade física do trabalhador e a adoção de medidas de combate ao COVID-19.
Por todos estes motivos, entendemos que, diante de conflitos normativos para a proteção do trabalhador no combate ao COVID-19, deve-se adotar a precaução, prevalecendo o que garantir maior proteção ao trabalhador. Esta seria a forma mais adequada de interpretarmos as diferentes normas sobre o tema, minimizando os riscos em relação as consequências jurídicas trabalhistas do COVID-19.
Os profissionais que atuam na área de SST devem entender estas questões e, em caso de dúvidas, buscar o setor jurídico da empresa para um maior esclarecimento.
Por derradeiro, destaco que o acima exposto não significa, em absoluto, que os entes federativos podem fazer o que quiserem, usando desta questão do COVID-19 para legislar sobre o que bem entenderem. Existem limites estabelecidos pela própria Constituição Federal quanto a competência de legislar de cada um dos entes federativos, além de limites do poder de fiscalização.
Este tema trataremos em nosso próximo artigo, a relação da empresa com a administração pública em tempos de COVID-19.
Existe uma lei que não foi escrita por ninguém e que jamais será revogada: o bom senso.
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